O caixão sozinho

O caixão sozinho
Chegou o carro da funerária com o caixão. Ele viajou muitos quilômetros, apenas o caixão e o motorista. Ninguém foi chorando junto ao corpo.
Ninguém se importou em velar o corpo. Ninguém chorou pelo corpo.
Ao chegar ao destino ninguém estava esperando pelo corpo.
No cemitério ninguém estava na capela.
Curiosos passavam e paravam para ver o corpo sozinho. Nos outros velórios havia familiares e amigos chorando pelo ente querido, mas ali não. Apenas o caixão sozinho.
Antes do caixão ser fechado não tinha ninguém para fazer uma oração. Não tinha flores para o corpo. Ninguém chorava pelo corpo, ninguém estava de luto.
As pessoas ao redor sentiam-se estranhas, quem era aquele corpo? Por que ninguém se importava? O que ela teria sido? Foi uma pessoa boa? Foi uma pessoa má? Vivia sozinha? Tinha família? Trabalhou? Teve amigos? Aproveitou a vida? Trabalhou? Estudou? Conheceu lugares incríveis? Viveu grandes aventuras? O que ela gostava de fazer? Como faleceu? Estava doente? Foi um mal súbito? Sofreu um acidente? Alguém a viu dando o último suspiro? Quem foi a última pessoa que falou com ela? Qual teria sido sua última refeição?
Ninguém saberia, o corpo frio no caixão não poderia responder àquelas perguntas e não havia ninguém ali para respondê-las.
O caixão foi fechado e levado pelo coveiro. Na cova fria ninguém deu o último adeus. Ninguém colocou uma flor em cima do caixão, ninguém viu a primeira pá de terra a ser jogada. Ninguém derramou a última lágrima.
O caixão chegou sozinho, foi velado sozinho e foi sepultado sozinho. Só o caixão e as pessoas da funerária. Nenhuma daquelas pessoas conhecia aquele corpo, só estavam fazendo o trabalho deles.
Agora não fazia diferença. O caixão estava novamente sozinho, mas embaixo da terra. Sozinho e esquecido. Aquela pessoa não existia mais, não poderia mais fazer diferença no mundo. O corpo em breve seria consumido e nada mais restaria. Nem a madeira do caixão, nem o corpo, nem a pessoa.
Sem deixar lembranças, sem deixar saudades, apenas mais um número para contabilizar dados estatísticos, que em breve também não teria relevância.

Texto fictício para se refletir sobre a brevidade da vida e em como podemos ser melhores. O que queremos para o futuro? O que estamos plantando? Com quem estamos nos relacionando? Como está nossa convivência social? O que podemos melhorar? Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Poderia ser aquele aluno misterioso da escola, sem amigos e com um péssimo relacionamento com os pais. Aquele homem ambicioso que achava que o dinheiro comprava tudo e não mantinha nenhum relacionamento verdadeiro. Aquela mulher traída, deprimida, que se ausentou do mundo para chorar sua dor por anos e anos e deixou todos se afastarem. O viciado que saiu de casa e foi enterrado como indigente. A criança órfã de pai de mãe que vivia em um abrigo e ninguém teve tempo de fazer a última oração.
Muitas situações, uma única indagação: “por quê?”

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Coisas que ninguém te conta sobre a ansiedade

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Ser ansioso é uma droga. Somos ansiosos 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem intervalo comercial, pausa para um café ou tempo de ir ao banheiro.
Não tem como evitar. Não existe um botão liga e desliga para esta função. Não é nossa culpa sermos ansiosos, nosso organismo produz uma substância em excesso. O tempo todo tem adrenalina sendo jogada na nossa corrente sanguínea. Estamos preparados para correr do perigo o tempo todo.
Um perigo que não existe, pode não existir e não tem chances de acontecer.
Vamos querer carregar o mundo com a gente se pudermos. Vai que no meio do Caribe apareça uma situação catastrófica em que precisemos urgentemente de uma capivara vestida de palhaço. Nunca se sabe…
Somos imediatistas. Queremos e agora. Estou escrevendo este texto de madrugada, na cama, com o celular na mão. Porque eu sei que se eu não escrever meu mundo vai parar e meu cérebro só vai desativar a função “escrever post sobre ansiedade” quando eu escrever.
Não tem como mudar. Tem tratamento e medicamentos para reduzir a ansiedade, mas ela é uma amiga fiel e quando decide ficar junto é para a vida inteira.
Com o passar do tempo aprendemos métodos para controlar e a conviver a ansiedade. Cada um tem seu método. Vivemos em uma gangorra tentando mante-la equilibrada.
Para diminuir a ansiedade eu tento me organizar meticulosamente. Papel, caneta, agenda e Evernote fazem parte do meu dia. Aprendi que se eu manter todas as tarefas e compromissos anotados eu consigo relaxar por um tempo. Eu sei que eu não vou conseguir voltar a dormir se eu lembrar as 4h da manhã que acabaram as gotas de chocolate belga que eu uso para fazer cookies especiais que eu como no dia 29 de fevereiro (e nem estamos em ano bissexto). Então eu anoto a informação e meu cérebro fica com a falsa impressão que resolveu o problema. Pronto, sono tranquilo novamente.
Rotina é meu chão. É tudo de mais sagrado que possa existir na minha vida. Eu preciso saber o que eu vou fazer naquele ano, naquele mês, naquela semana, hoje e amanhã, a cada hora do dia. Fazer nada entra na minha agenda e eu organizo o fazer nada como uma atividade extremamente importante. Me ligar e perguntar o que estou fazendo e me convidar para de casa ou passar aqui porque estou fazendo nada acaba com meu dia. Meu plano era fazer nada sozinha, não tinha um estranho que brotou do chão no meio do meu fazer nada. Mas claro que a gente não vai dizer na cara da pessoa para ela desaparecer (por mais que a gente queira), vamos fingir que está tudo bem e reprogramar a rota.
Evitamos situações fora da rotina porque odiamos o elemento surpresa. O elemento surpresa é ruim, envolve o desconhecido, joga mais adrenalina no sangue e não precisamos de mais, obrigada. Às vezes fingimos que estamos distraídos ou olhando para outro lado só para não cumprimentar um conhecido na rua. Não quer dizer que metidos, nem que não gostamos da pessoa, só que a gente não quer ter o trabalho de mudar a rota novamente. Não estava no meu plano de ir na padaria encontrar com o vizinho no portão. Não me planejei para esta conversa, nem fiz o roteiro dos assuntos que podemos conversar, o que de tão mal eu fiz para ele surgir no meu caminho e acabar com todo meu planejamento do dia?
Não, eu não quero sair da rotina. Isso não quer dizer que eu estou trabalhando ou estudando demais, nem que eu esteja deprimida. Significa apenas que eu preciso me planejar e incluir saídas da rotina na agenda. Não é que eu não queira sair com você sábado ou “dar um pulinho no shopping” hoje à tarde. Eu quero, mas mudar minha programação em cima da hora vai me deixar ainda mais ansiosa.
O outro lado da ansiedade é quando a gente fica “em cima” da pessoa querendo saber se ela quer sair com a gente e por que a demora para responder. Não é carência, nem demonstração de muito interesse. É necessidade. Não quero que você confirme mais tarde com seu primo se ele vai te emprestar o carro para gente sair. Preciso que você confirme isso agora e pare de me matar lentamente.
Os ansiosos pensam demais. O tempo todo estamos pensando, não paramos de pensar e de analisar fatos nunca. Repassamos mentalmente todos os momentos constrangedores da nossa vida o tempo todo. Sim, lembramos do tombo no meio da escola no ensino fundamental, da professora cantando parabéns na sala de aula do ensino médio e todo mundo rindo do mico, da trombada com o desconhecido que quase o matou, do atropelamento da moça no meio do supermercado, do motorista que gritou porque a passagem não foi paga, da questão errada na primeira prova da faculdade que impediu a nota máxima. Todos são revistos sem que a gente queira.
Sabe as conversas que a gente teve? São todas repassadas mil vezes. Procuramos por erros e deslizes em todas as frases. Sempre achamos que fizemos algo de errado quando o relacionamento não deu certo e procuramos entender onde foi esse erro. Foi por que eu falei torta ao invés de quiche? Acho que eu não deveria ter comentado que eu gosto de dias frios. Com certeza ele não ligou mais porque eu usei um salto baixo, se estivesse de salto alto ele me ligaria.
Nossa vida nunca seria um filme. Seria uma peça teatral com milhões de ensaios e cenas repassadas exaustivamente (mas sem improvisações).
Odiamos “te conto depois” (por quê? se começou conta logo) “preciso falar com você” (o que eu fiz?) “venha até aqui” (por que eu? por que agora?) “telefone para você” (não me avisaram que iam me ligar. quem está me ligando? por que estão me ligando? o que querem comigo?) e “saiu para entrega” (eu quero e quero agora. me dá logo? tá demorando por quê?).
Por favor, se você conhece um ansioso não deixe-o criar expectativas. Fale logo o que você quer. Privilegiamos a sinceridade.
Não crie elementos surpresa, somos organizados e precisamos de organização.
Não diga para ele relaxar um pouco e parar com a ansiedade. Não queremos ser ansiosos, adoraríamos deixar de ser, mas não temos culpa. Não adianta gritar para o nosso cérebro relaxar, é inútil. Mandar um ansioso relaxar é o mesmo que pedir para uma mulher morrendo de cólica parar de sentir dor. Não funciona assim, colega.
Prefira enviar mensagens, telefonemas geralmente não são bem-vindos.
E por fim, aceite-o assim e goste dele apesar de toda essa bizarrice. Se ele é seu amigo ou gosta de você ele sempre vai voltar. Entenda apenas que precisa ser no tempo dele.
Eu juro que não mordemos (os outros, o nosso próprio maxilar não conta como mordida).

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Tudo viado, tia!

Eu tinha uns 7 anos quando eu decidi que deveria ter um crush e, mais que isso, um namorado.
Descobri que um coleguinha estava a fim da minha melhor amiga e eu também queria isso, só que eu queria mais que uma simples crush, eu queria um namorado para dividir o lanche no recreio e andar de mãos dadas.
Eu sonhava com a gente de mãos dadas e eu deitada com a cabeça no ombro dele no banco de trás do Maverick azul do meu pai.
Então bolei o plano infalível #1 após ler uma história incrível na revistinha Turma da Mônica daquele mês: eu escreveria uma carta anônima perguntando se ele queria namorar comigo e pediria para minha segunda melhor amiga entregar para ele, sem dizer que era minha. O mistério mexeria com o coração dele e quando ele estivesse bem ansioso para saber quem era sua admiradora secreta eu ne revelaria e a gente ficaria junto para sempre.
Mas minha amiga não quis entregar a carta sem ler. Ela queria leva-la para casa, ler e só entregar no dia seguinte. Eu fiquei com vergonha dela ler o conteúdo (ela não sabia da minha crush) e entreguei eu mesma a carta.
Não sei como ele descobriu que eu tinha escrito a carta (usei recortes de palavras), mas ele descobriu, não me quis e eu tive que esquecer aquela história toda e ser apenas amiga dele.
Minha primeira decepção amorosa e eu acho que me saí muito bem, obrigada. Nos tornamos ótimos amigos nos anos que se seguiram e, apesar de não termos mais contato atualmente, recentemente descobri que ele é meio gay.
Eu já deveria saber naquela época que brincadeiras daquele tipo eram de menina, mas o que eu sabia da vida?
E quando as tias perguntam dos “namoradinhos”? Tudo viado, tia.
han

PS: para a “puliça” da internet não implicar, esse texto não é homofóbico e eu não tenho nada contra homossexuais, meus melhores amigos são gays e usamos esses termos nas nossas conversas sem nenhum problema e com todo respeito.

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