Postagem Coletiva: 2053

2053
Acordei cedo, como se eu acordasse depois das 8 atualmente, dei uma volta pelo bairro e comprei os ingredientes que faltavam para fazer meu bolo de chocolate especial.
Hoje é aniversário da minha netinha e queria satisfazê-la com o que eu melhor sei fazer: cozinhar.
Coloquei o bolo para assar e aproveitei para fazer salgadinhos (nunca é demais mimar os netos com comida). Fiz uns croquetes que aprendi com a minha mãe quando eu ainda era criança. Podem parecer muito antiguados atualmente, mas ainda são saborosos e todo mundo gosta de uma boa comida caseira.
Está aí uma coisa que eu aprendi em todas essas décadas vividas: comida nunca sai de moda.
Algumas podem até ter sua fase de glamour e fazerem sucesso em festas e restaurantes, mas ao paladar, elas sempre são atuais.
Na minha época criança comia cachorro-quente feito com molho de tomate de verdade, churros vendidos de origem suspeita, feitos por vendedores sem a menor noção de higiene, pipoca feita na panela. Todas eram felizes e comiam o quanto queriam. Hoje tudo é industrializado, cheio de frescura e com gosto de papel. Poucas pessoas gostam de “perder tempo” na beira do fogão cozinhando para seus queridos.
Mas eu acho que cozinhar para alguém é uma grande demonstração de afeto e vou continuar fazendo isso até morrer.
Victoria, minnha filha, me chama de louca por passar tanto tempo na cozinha, ela não tem paciência para isso e cria minha neta com essas porcarias sem gosto e cheia de nutrientes. Parece ração de cachorro.
Ela até reclama da minha mania de cozinhar, mas bem que ela gosta de comer meus quitudes.
Estava esperando Victoria e Rubi para o almoço, mas elas só apareceram no meio da tarde. Disseram que estavam ocupadas. Não sei com o que elas se dizem ocupadas, nem cozinhar elas cozinham…
A carinha de felicidade delas quando chegaram e sentiram o cheiro de comida aqui de casa foi a coisa mais linda de se ver. Mamãe, você não existe! Foi a primeira coisa que Victoria disse quando viu o bolo e os salgadinhos.
Rubi só me deu um abraço tímido e já saiu correndo e atacando os croquetinhos. Adoro a carinha feliz dela quando come comida mesmo e não ração de cachorro.
Cantamos parabéns as 3 juntas, comemos o bolo e ficamos conversando.
Rubi queria saber como eram comemorados os aniversários na minha época: com comida, é claro! E quando contei de alguns detalhes ela soltou um QUE BREGA! tão sonoro que achei melhor perguntar a ela como ela iria comemorar o dia dela. Com as melhores amigas, é claro!
Victoria fechou o salão de beleza que elas frequentam só para Rubi e as amiguinhas comemorarem o dia com um spa só para garotas.
Não sei por que criança precisa de um dia de spa, mas achei melhor não perguntar.
Como, para variar, eu não sabia o que dar para Rubi, entreguei um dinheiro para Victoria comprar alguma coisa que ela queira. Provavelmente alguma tecnologia nova, que ficará absoleta na semana que vem, mas que ela “vai morrer se não tiver hoje”.
Victoria me chamou para ir ao salão e passear no shopping enquanto as meninas se divertem, mas não tenho mais ânimo para ficar andando pelo shopping. Prefiro ficar em casa lendo um livro e tomando um chá.
Quando elas sairam peguei meu gato, Félix, outro pedaço de bolo e meu livro para continuar a leitura. Hoje só levanto da cadeira quando chegar ao fim da página 1052.

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Essa fase “vintage”

vintage
Dizem que ser adolescente é difícil. Nosso corpo está em constante mudança, os hormônios estão loucos, não entendemos as preocupações dos nossos pais e eles não entendem nosso desejo de nos tornarmos independentes. Necessitamos de mais horas de sono, mas nosso cérebro quer permanecer ligado o tempo todo (principalmente nas redes sociais até tarde da noite) e no dia seguinte precisamos acordar cedo para ir para escola.
Os pais, os professores, os parentes, todos ficam perguntando que faculdade vamos fazer e há aquela cobrança toda para o vestibular.
Então essa fase passa e o monstro do vestibular acaba se tornando um gatinho manhoso de tão inofensivo. Não estou menosprezando essa fase, mas quando passa percebemos que não é o fim do mundo não saber que curso escolher ou que não é porque seu melhor amigo passou na faculdade que você vai ficar para trás.
O fim do mundo começa quando a faculdade termina.
Durante a adolescência somos menores de idade para sair, dirigir, beber e nem todo mundo tem seu próprio dinheiro. Mas isso muda durante a faculdade. Temos mais liberdade para sair, tiramos a carteira de motorista, encontros da faculdade são regados à bebidas alcoólicas e quando conseguimos estagiar temos uma merreca garantida na carteira todo mês.
Temos férias duas vezes por ano, nossa responsabilidade aumenta um pouco, mas não tanta. Surtamos a cada 6 meses com as provas finais, mas depois podemos dormir até tarde por pelo menos 30 dias, que é quando as aulas recomeçam.
Ninguém te cobra nada, a não ser o convite de formatura e tudo parece ir muito bem, apesar de reclamarmos que as provas nunca acabam, que os trabalhos são gigantes e que as noites de sono são curtas. Até que um dia, depois de 4 ou 5 anos, isso tudo acaba.
E agora?
Agora, meus caros, é que começa o problema. Conseguir emprego, trabalhar, pagar as próprias contas… em tese seria assim, contudo a realidade é bem diferente…
Mas eu quero trabalhar em uma empresa privada ou prestar um concurso público? Será que eu fiz a escolha certa quando optei por essa faculdade? Minha amiga já está trabalhando em uma grande empresa e ganhando muito bem e eu continuo desempregada. Aquele colega burro da turma passou em um concurso super difícil e eu nem em concurso de nível médio passo. Meu amigo ficou noivo e eu não pego nem gripe. Uma colega de turma se casou e vai passar a lua de mel em Cancun. Outra colega está fazendo intercâmbio no Canadá. Será que eu deveria fazer uma especialização no exterior? Minha amiga está terminando o mestrado. Eu deveria fazer mestrado também? Um conhecido acabou de terminar a segunda faculdade? Será que eu escolhi a profissão certa? Será que eu gosto mesmo do que eu faço? Será que vou gostar disso daqui a 30 anos ou vou me acomodar para sempre nesse emprego medíocre? O primeiro filho do meu amigo nasceu. Aquela colega da outra turma voltou grávida da lua de mel. Encontrei com um amigo de infância no supermercado, ele tem o próprio negócio, é casado e a esposa está grávida. Será que eu deveria me casar? Será que eu deveria ter filhos? Se eu não tiver filhos agora, será que eu não ficarei muito velha para isso? Por que eu ainda não encontrei minha cara metade? Até tenho dinheiro para sair todo final de semana, mas não tenho mais ânimo para isso, como eu conseguia fazer isso na faculdade? Afinal, por que quando eu saio não encontro mais ninguém da época da faculdade nessas baladas? Não aguento mais morar com meus pais, mas as despesas da casa são tão caras. Meu melhor amigo comprou um apartamento no bairro nobre, eu compro um carro agora ou junto dinheiro para dar entrada no meu apartamento?
Se não bastasse todas essas perguntas que temos constantemente ainda somos obrigados a responder: “Já formou? Está trabalhando? Em que? Já casou? E os filhos?” todas as vezes que encontramos com alguém que não vemos há algum tempo ou alguma tia chata. Nessas horas dá uma saudade de quando a única pergunta era: “vai fazer faculdade de quê?”.
Nós, os vintage, ainda somos precipitados, não temos paciência de esperar a hora certa, ficamos comparando nossa vida com a dos conhecidos, adoraríamos voltar aos 17 anos – com nossa mãe brigando com a gente de manhã para irmos para a escola – e morremos de medo de chegar aos 30.
Por favor, tente nos compreender, estamos apenas começando a andar com nossas próprias pernas.

*No mundo da moda o termo vintage é usado para uma peça que possua os seguintes requisitos: pelo menos 20 anos de antiguidade, ser testemunha de um estilo próprio ou de um estilista, não haver sofrido nenhuma transformação (releitura), e ainda representar um instante da moda e estar em perfeito estado. Mas comecei a usar o vocábulo entre os meus amigos para me referir aos jovens entre 20 e 30 anos.

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Postagem Coletiva: 1904

1904
Querido Diário,
Há muito não escrevo, mas não tenho mais a quem contar minha angústia. Meu coração dói só de pensar na minha triste sina.
O Tomé confessou que me ama e eu também o amo, mas quando o meu pai nos viu conversando hoje me trancou no quarto e não me deixa sair nem para fazer as refeições.
Minha mãe nada faz para me ajudar, ela aceita tudo o que meu pai diz sem discutir. Eu sei que ela se casou com ele sem o amar, mas isso foi no século passado, agora deveria ser diferente. Nem escravos temos mais.
Escravos… É por isso que não posso falar com o Tomé. Ele é filho de ex-escravos. Mesmo não sendo negro minha família não quer nos ver juntos.
Não fizemos nada a não ser conversar, mas só por ele ser pobre e filhos de ex-escravos eu não posso nem falar com ele.
Agora tenho que ficar aqui, presa no meu quarto. Meu pai diz que só sairei do quarto para me casar com o Osvaldo de Lins. Não quero me casar com ele! Ele é grosso, não sabe como tratar uma dama e só fica contando vantagens sobre suas terras. Ouvi meu pai dizendo que ele ainda tinha escravos escondidos em uma fazenda do interior.
Não quero dividir a casa, ou pior ainda: a cama, com alguém que ainda tem escravos! Não posso nem pensar nessa possibilidade. Espero que aconteça algum milagre que faça meu pai mudar de ideia.
Mas do jeito que meu peito dói, tenho certeza de que brevemente morrerei de amor!
Amo tanto o Tomé que só de imaginar minha vida longe dele eu quero morrer. Não me importa se ele não pode me dar sedas ou jóias, ele me trata bem e me ama, isso é o bastante para ficarmos juntos.
Quem dera se eu pudesse fugir de casa para ficar com o meu amor, mas não sei do que meu pai seria capaz de fazer se ele descobrisse. Por enquanto fico aqui vivendo esse tormento e rezando por dias melhores.

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